segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Capítulo II



A cidade de Genazzano



Genazzano fora domínio da família Colonna, e é um autêntico exemplo das cidades medievais fortificadas. Devido às guerras freqüentes, ora contra bárbaros e infiéis, ora entre senhores feudais, as cidades (ou burgos) eram construídas em locais que dificultassem o assédio de tropas inimigas e facilitassem a defesa. Eram circundadas por grossas muralhas com sentinelas a postos.


E o melhor aproveitamento de espaço exigia ruas estreitas, muitas vezes íngremes devido às condições da topografia.


Na paisagem montanhosa da Itália, mais do que em qualquer outra parte da Europa, vêem-se essas cidades que parecem verdadeiros ninhos de águia, invariavelmente dominadas por altivas torres e elegantes campanários.

Com o passar do tempo e a pacificação dos contendores, as construções iam-se estendendo para fora dos muros. Desses vários fatores resultara aquele conjunto que eu tinha diante dos olhos[1]

A vista geral da cidade me pareceu sumamente pitoresca. Vendo à distância aquele amontoado de casinhas modestas e sem ornatos ― é uma cidade de camponeses ― notam-se todas as qualidades da vida campestre de outrora. As casas construídas de pedra, com telhados resistentes, são simples e velhas. Melhor se diria vetustas ― tantos séculos de laboriosa existência lhes conferem inegável respeitabilidade.

O insulto do tempo fora modelando a cidade, e era visível em todas as construções.



Aqui uma muralha corroída pelas intempéries; ao lado uma parede escalavrada; mais adiante uma escada desgastada pelos passos de dezenas de gerações.



Na quase totalidade das construções e dos ambientes, nada que denotasse grande riqueza, mas sim um bem-estar digno, vivido sob o influxo da Religião e da Civilização Cristã.

Mas ... e se alguém resolvesse reformar e pintar tudo isso, deixando as paredes lisas e brilhantes como novas? E se alguém asfaltasse todas essas ruas sinuosas e imprevisíveis? E se os comerciantes começassem a espalhar anúncios luminosos por toda a cidade? Cuidei logo de afastar esses pensamentos dignos de vândalos modernos.



Deixemos Genazzano encarquilhada como está, mas pitoresca e respeitável, com sua população alegre e despretensiosa. Isto poderia ser legitimamente chamado" arte de ser pobre".


Pobreza e arte, eu as via a cada passo dentro de Genazzano, enquanto me dirigia ao Santuário.

Logo à entrada, uma parte da antiga muralha da cidade, com as marcas do tempo. Embora construída com uma finalidade prática evidente, não estava ali ausente a criatividade artística.




Um arco de pedra simples e gracioso, acima do qual um escudo com as armas da cidade, adornando o muro não retilíneo, encimado por ameias. Sob o arco um calçamento bem cuidado, e sem a monotonia geométrica dos traçados modernos, dava acesso ao interior da área fortificada.

Ruas de traçado irregular, estreitas, sinuosas. Quase se diria que os habitantes de Genazzano tinham horror à linha reta. São vias e construções não projetadas, abertas pelo caminhar quotidiano das gerações. Surgiram espontaneamente, organicamente, na medida do necessário e do possível. Uma casa se constrói porque há um espaço vago; uma rua se abre respeitando a posição da casa; em seguida uma escada ampla ou estreita comunica duas ruas em grande desnível; um arco reforça duas construções contíguas, mas ao mesmo tempo adquire uma função estética. Porque teria de ser tudo retilíneo e simétrico?

Sem a monotonia do urbanismo planejado, a cidade adquiriu uma feição extremamente pitoresca e variegada. Surgiu do labor das gerações ao longo dos séculos, cada uma contribuindo com o seu esforço e criatividade. Ali está patente a presença do trabalho de todos, o que lhe dá uma personalidade própria, e todos se sentem identificados com aquele conjunto, que reflete um pouco das características de cada um e de cada estirpe.



Impossível descrever em detalhes uma cidade em que cada ângulo é diferente, cada casa é uma engenhosa individualidade, cada rua uma surpresa gerada e modificada ao longo dos séculos, e cada habitante uma curiosa síntese de passado e presente, em perfeita harmonia com tudo aquilo.

Compreende-se que turistas endinheirados e apressados não tenham sensibilidade e paciência para apreciar uma cidade assim. Mas há pessoas de bom gosto que se deslocam do mundo inteiro à procura dessas pequenas jóias arquitetônicas e urbanísticas, elaboradas por sucessivas gerações, geralmente pobres e não alfabetizadas, porém ricas em talento e criatividade.


Ladeiras íngremes, escadas intermináveis. Tudo me forçava a percorrer lentamente a subida rumo ao santuário. Decididamente a cidade não fora construída por pessoas que têm pressa ...


Mas eu aproveitava a caminhada para observar a riqueza de ambientes e imaginar a multiplicidade de estados de espírito que se poderiam formar em cada recanto daqueles. E me encantava verificar que ali realmente não era necessário ter pressa. Lentidão contemplativa - como isto faria bem ao mundo apressado de hoje ...

Tendo repousado nosso espírito, exausto das trepidações contemporâneas, acompanhando esta interessante e rica descrição e analisando, nas fotos, alguns dos múltiplos aspectos de uma cidade tão pitoresca, entremos no Santuário e examinemos de perto o afresco de Mater Boni Consilii.

[1] Entre os devotos de Nossa Senhora do Bom Conselho, encontra-se um antigo amigo do autor, que viveu um bom tempo em Roma.
As páginas da revista brasileira "Catolicismo", na edição de abril de 1986, estamparam a pormenorizada e bela reportagem sobre a cidade de Genazzano, fruto de suas freqüentes peregrinações ao Santuário local. Da mencionada reportagem sobre tão simpática cidade temos o prazer de reproduzir alguns trechos neste capítulo. Dificilmente se fariam comentários mais adequados às fotos que o ilustram.

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